Pesquisando a palavra cantada desde o ano passado, já me deparei com vários tipos de idéias e proposições de abordagem. Sob quase todas essas articulações teóricas que pude conhecer, pulsam algumas questões comuns que dizem respeito a limites: limites entre a palavra escrita e a falada/cantada; entre a literatura e a música; entre a enunciação e a recepção. Questões que nos fazem refletir sobre conceitos que precisam ser sempre repensados porque são vivos e não estanques.
Pensar a canção a partir de um ponto de vista literário significa "entreabrir conceitos exageradamente voltados sobre eles mesmos em nossa tradição". O texto escrito deixa de ser suficiente na produção do sentido, e somos obrigados a introduzir o "corpo vivo" na noção de literatura, já que "a performance é o único modo vivo de comunicação poética". Não fui eu que elaborei essa idéia, mas Paul Zumthor, medievalista suíço estudioso das manifestações da oralidade.
Zumthor dialoga com os teóricos da literatura na busca de uma ampliação de perspectivas para o estudo da literatura não como uma arte isolada, mas integrada a outras manifestações expressivas.
Desde o início de minha pesquisa, um ensaio de Roland Barthes chamado "Da obra ao texto" tem sido importante fonte de reflexão e diálogo com outras idéias. Neste ensaio, Barthes desenvolve os conceitos de obra (algo fechado em si mesmo, completo e acabado) e texto (algo que transborda a obra, um campo epistemológico que se abre à construção do sentido). Deste modo, continua Barthes, se a noção de obra acompanha o que ele chama de Doxa (a opinião coletiva, condicionada por fatores históricos, sociais e políticos), a noção de texto seria sempre paradoxal. Ele explica em outras palavras: enquanto a obra acompanha o conceito de literatura vigente em um determinado contexto, o texto sempre desafia esse conceito e o obriga a uma constante revisão e ampliação.
Eis que, lendo Paul Zumthor e acompanhando seu desenvolvimento da idéia de performance, descubro um importante paralelo entre seu pensamento e as idéias expostas por Barthes.
A ironia é que eles usam palavras opostas para falar das mesmas idéias:
Barthes opõe obra (fechada, estanque, condicionada) e texto (aberto, plural, dinâmico). Já Zumthor opõe texto (a palavra escrita, enunciado mais ou menos definido) a obra (tudo que é comunicado, a manifestação viva da palavra num contexto mais amplo que o escrito). Obviamente eles falam sob pontos de vista distintos, daí a diferença na denominação dos conceitos: Barthes toma o texto escrito como ponto de partida e de chegada, enquanto Zumthor parte do texto para examinar as manifestações da voz humana, mais complexas e difíceis de serem apreendidas e interpretadas.
O importante é que ambos os casos apontam para uma abertura conceitual que abre novos caminhos na análise das manifestações da palavra (seja escrita ou oral) e nos incita a dissecar antigas definições para reexaminar sua validade teórica, tendo em vista a multiplicidade e o movimento das manifestações artísticas produzidas pelo ser humano.
Um comentário:
é o blog de uns amigos aqui de assis: http://jornalruarada.blogspot.com/2008/05/em-busca-de-um-pingo-de-tinta.htmlavxbmp
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