quarta-feira, 29 de abril de 2009

Canção portuguesa contemporânea


Deolinda é um grupo português formado por jovens músicos. Suas canções são simples e eficientes. Palavra e música, voz e violões... Pronto. Assim como o sotaque da língua portuguesa falada pelos gajos do lado de lá do atlântico, também é possível ouvir os ecos da tradição musical daquelas terras. Fado sim, misturado com uma sonoridade pop e temas do cotidiano. Até o Brasil cabe na música deles (basta ouvir a canção "Garçonete de casa de fado" para entender). Sem mais, despeço-me. Mas antes...

Cá estão os links do site oficial e do myspace da banda.

Cá está a letra da excelente "Canção ao lado"

Desculpem, doutos homens, estetas,
Espíritos poetas, almas delicadas,
A falsidade do meu gênio e das minhas palavras.

Que é a erudição que eu canto,
Que é da vida, o espanto, que é do belo, a graça,
Mas eu só ambiciono a arte de plantar batatas.

Desculpem lá qualquer coisinha
Mas não está cá quem canta o fado.
Se era p'ra ouvir a Deolinda,
Entraram no sítio errado.
Nós estamos numa casa ali ao lado.
Andamos todos uma casa ao nosso lado.

Bem sei que há trolhas escritores,
Letrados estucadores e serventes poetas;
E poetas que são verdadeiros pedreiros das letras.
E canta em arte genuína, o pescador humilde,
A varina modesta;
E tanta vedeta devia dedicar-se à pesca.

Desculpem lá qualquer coisinha
Mas não está cá quem canta o fado.
Se era p'ra ouvir a Deolinda,
Entraram no sítio errado.
Nós estamos numa casa ali ao lado.
Andamos todos uma casa ao nosso lado.

Por não fazer o que mais gosto
Eu canto com desgosto, o facto de aqui estar;
E algures sei que alguém mal disposto
Ocupa o meu lugar.

Ninguém está bem com o que tem...
E há sempre um que vem e que nos vai valer;
Porém quase sempre esse alguém não é quem deve ser.

Desculpem lá qualquer coisinha
Mas não está cá quem canta o fado.
Se era p'ra ouvir a Deolinda,
Entraram no sítio errado.
Nós estamos numa casa ali ao lado.
Andamos todos uma casa ao nosso lado.

E é a mudar que vos proponho!
Não é um passo medonho em negras utopias;
É tão simples como mudar de posto na telefonia.
Proponho que troquem convosco e acertem com a vida!


segunda-feira, 27 de abril de 2009

Corpo funcional

I

o

corpo

como

parte:


cada

membro

denota

o todo;


todo

ângulo

revela

o resto.


o

corpo

como

forma:


pureza

difícil


na

incoerência

do vivo.


o

corpo

como

luta:


apenas

dura

enquanto

sangue.



[a primeira série, chamada "das formas masculinas", tem nove poemas (por enquanto). este é o primeiro]

terça-feira, 21 de abril de 2009

As vozes de Vila-Matas

Ando às voltas com a literatura do catalão Enrique Vila-Matas, autor das melhores páginas que li nos últimos tempos. Resisti à tentação de traduzir alguma coisa antes de terminar o livro que estou lendo, mas o trecho a seguir (por sua ligação com toda a minha pesquisa sobre a voz e a palavra cantada) me fez interromper a leitura por meia-hora. Eis a tradução:


3

Tinha ouvido falar das vozes de Marrakech, mas não sabia se estas tinham realmente algo de peculiar. Talvez sejam diferentes do resto das vozes do mundo, eu me disse ao instalar-me na varanda do café de onde se divisava a praça de Xemaá-el-Fná. Deu-me de pensar que nunca se fala da cor das vozes e que talvez em Marrakech isso fosse possível. Voz terra de Siena de Petrarca, voz cor de traje de faquir hindu. Talvez em Marrakech, eu me disse, as vozes tenham cor. Não tardei em comprovar que andava certo. Aproximou-se um garçom marroquino e, ao perguntar-me o que desejava tomar, pareceu-me que sua voz, que evocava o fundo sonoro dos muezins quando dos minaretes convocam o povo à oração, era uma voz cor cal de torre de mesquita. E pedi religiosamente um chá.

Apareceu um orate de pele escura, raça negra, branca cafetã impoluta. Toda minha atenção centrou-se nele e no seu ingrávido edifício sonoro. Nunca tinha visto trejeitos tão airados e tão sobriamente compassados ao ritmo de umas vibrações acústicas, inaudíveis para mim, que se apoderavam com grande energia do ambiente e que pareciam reproduzir, no ar entrecortado pelos gestos, uma história.

Imaginei que o orate só possuía uma história e que esta falava de um tronco triste alçado como mastro. Falava dele mesmo e dos dias em que lhe dominaram as ânsias de aventura. O orate negro tinha viajado a terras longínquas e, em seu périplo, foi apropriando-se de fragmentos de histórias que dissimuladamente havia escutado. Com todos estes retalhos foi compondo o romance airado e musical de sua vida: uma história que, com ritmo sincopado e artimanhas de mímico, vendia diariamente como um sonho a um público sempre devotado e fiel, ali em Xemaá-el-Fná.

Era a história ou o resumo fictício do que tinha sido sua vida. Uma vida sintetizada em quatro gestos que clamavam ao céu e em quatro vibrações acústicas e rítmicas de voz cor fraque branco de músico de jazz. Voz de orate negro. Na verdade aquela era toda uma voz de cor.


Enrique Vila-Matas. "La fuga en camisa". In. Recuerdos inventados. Barcelona: Anagrama, 1994 [originalmente publicado em Una casa para siempre] Tradução minha. 

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Biodesagradável

Enquanto isso, em um templo de consumo qualquer...

"Ao usar este secador de mãos você está contribuindo para a saúde do planeta, pois menos árvores estão sendo utilizadas na produção de papel-toalha"

As plaquinhas (uma para cada secador) são feitas do mais puro plástico: 100% não-biodegradável.

quinta-feira, 16 de abril de 2009

Passagem

Peru, Junho/2008


quanto céu
cabe nas
mãos
da pedra

quando traz
em si
a mínima
porção
de infinito

necessária
ao mergulho

sexta-feira, 10 de abril de 2009

Música rara brasileira

Uma canção por dia. Dessas que você não ouve por aí...

Visitem:

http://vitrolabrasileira.tumblr.com/

Boa escuta.