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PAÍS
(Everardo Norões)
O meu país
é pequeno, sem mar
onde banhar-me os pés.
Mas, deu-me, nas suas pedras,
as relíquias dos peixes.
No seu calcário,
um pássaro, ferido de infinito,
aprisionou o seu vôo.
Libélula, a descobrir,
nas espirais do tempo,
o imenso avesso das águas.
O meu pobre país
não tem navios.
Mas, sob o altar da Virgem,
falam-me monstros marinhos.
E nas suas ruas
de pedra lavrada,
conversam as laranjeiras.
O meu país
é uma vereda de loucos.
Linhas de serranias
degolando o sol,
cheiro de cana azeda,
a palma dos buritis,
relho das sesmarias.
É um silêncio de arcabuzes,
um velho soneto de sangue:
a sombra de Tristão
sob a jurema.
O meu país
é um arquipélago
de países submersos:
desdém do dilúvio.
Um azul manchado
de teus olhos,
caminho descrevendo o teu corpo
na rota encabulada
dos espelhos.
O meu país
é noite adentro,
o aguardar das enchentes
que transbordam o sono.
Os cilícios bordando na pele
o santo nome em vão.
Salve-rainha
soluçando nos escuros,
a louca dos brejos
desvendando a cidade.
É um maio
de anjos e cetins,
o Diabo tocando pífanos,
no vazio solene da praça.
A casa dos morféticos
a adormecer os fantasmas
dos meninos,
lembrança das pedras
ferindo nossos passos.
É dele que vemos
o outro país
onde não somos.
(In, A rua do padre inglês. Rio de Janeiro: 7Letras, 2006)
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domingo, 24 de julho de 2011
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