sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

Olhar/ver/enxergar

Sou cego também. Não porque veja menos. A miopia foi um presente que desde muito cedo fez meu olhar diferente. Gosto do que não vejo. As falhas do rosto, o cabelo mal penteado: tudo o que me escapa na hora do espelho me faz mais bonito. Minha imagem mais simples, sem tantos detalhes. Eu justo. Como tenho que ser.

Sou cego também. Não porque veja mais. Nem melhor que ninguém. Vejo como só eu sei ver. Só. E só eu percebo pormenores importantíssimos em tudo que atrai minha atenção. Coisas imprescindíveis ao meu ver. Questões de vida ou morte. Mas a vida e a morte são só minhas. Pessoais e intransferíveis.

Impossível falar do que vejo. Cada um vê como vê. Uns apenas olham, acreditando na falsa passividade desse gesto tão complexo.

Conheço gente que vê muito pouco, apesar de não precisar usar óculos. Eu sempre precisei, mas deixo eles em casa muitas vezes. Não me lembro de nada que perdi de ver por não estar de óculos. Conheço gente que deixa em casa a capacidade de enxergar sentido no mundo. E sai pela vida esbarrando nos próprios sentimentos. Ver é uma responsabilidade grande. E ninguém precisa de olhos para isso.

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