segunda-feira, 31 de março de 2008

Casa

chove. destelham a casa velha da esquina. a memória das paredes lavada pela água. sujeira que escorre para a rua sem passar pelo jardim. onde havia muro, cacos. onde havia porta, só o espaço. tapumes de uma construção futura. sem passado.

a casa habitou sonhos numa infância distante. já abrigou família de nome. já foi uma escola. de tão fechada que andava, ninguém percebeu que por dentro não morava mais gente. até chegarem escadas e marretas para expor o chão de ladrilhos ao céu. carregado. cinzento. não há mais teto que proteja seu brilho pacientemente encerado.

chove. destelham a casa velha da esquina. mais uma.

a casa continua habitando sonhos. ontem ela sobrevoava o bairro. flutuava serena, escolhia um dos arranha-céus mais altos e, de repente, sobre ele caía com a força dos anos. onde havia prédio, agora apenas a casa. olhando calma com seus olhos de janela os passantes que comentavam sem vontade como o passado vinha destruindo sem dó o futuro artificial que tentavam criar para aquela cidade. alguém dizia: mas isso não é só aqui, acontece no mundo todo! é o progresso! precisamos destruir para progredir!

acordei rindo da capacidade irônica daquela casa moribunda.

Um comentário:

Kenia Mello disse...

Texto delicado, nostálgico, irônico. Gostei.

Beijo.