quarta-feira, 10 de junho de 2009

A levesa e o pezo


É possível coreografar a ausência? Que movimento corresponde ao silêncio? Como revelar o invisível?

Essas perguntas são respondidas com grande maturidade artística ao longo do espetáculo Leve, concebido e protagonizado pelas bailarinas Renata Muniz e Maria Agrelli.

O espetáculo é um mergulho interior, amparado por uma atmosfera visual e sonora que parece liberar tempo. As bailarinas nos fazem viver o nó da dor e o colo da saudade; o peso da queda e a leveza de voltar a se levantar. Leveza lavada com lágrimas.

Lembro as palavras de Bachelard: "O sonhador se vai à deriva. Um verdadeiro poeta não se satisfaz com essa imaginação evasiva. Cada poeta nos deve, então, seu convite à viagem [...] Uma realidade iluminada por um poeta tem ao menos a novidade de um esclarecimento inédito. Porque o poeta nos revela uma nuance fugidia, aprendemos a imaginar toda nuance como uma mudança. Apenas a imaginação pode ver as nuances, ela lhes alcança na passagem de uma cor a outra" (L'air et les songes)

Maria e Renata são poetas verdadeiras. Elas fazem dançar a imaginação e despertam nossa percepção para o movimento das cores da vida que se desprende do luto e da incompreensão pela dor da perda.

Leve é um espetáculo de dança. Entretanto, o corpo não reivindica para si o papel de instrumento principal. Os movimentos são mínimos, preci(o)sos, e muitas vezes se deixam apagar pela música e pelo cenário: na dança do invisível, o corpo sabe se calar para que fale aquilo que não se traduz em gesto.

O grande feito das artistas é nos fazer sentir na pele a densidade da leveza e o lado etéreo do peso (aprendizado possível apenas com a vivência). Ao sairmos do espetáculo, permanece a clara sensação de termos partilhado a sabedoria de uma humanidade profunda.

Agradeço de coração.


3 comentários:

Renata Muniz disse...

Con, que sensível!
Quanto talento, poeta verdadeiro.
Amo você, muito. E muito obrigada pelas palavras delicadas vindas do coração.

.lucas guedes disse...

a ausência de movimentos na dança, pra mim, é como a ausência de palavras num diálogo. a transcedência, neste caso, se dá quando não há nenhum tipo de constrangimento em nenhum destes dois exemplos, digo: dançar sem movimento ou falar sem dizer nada.

diante disso, a leveSa e o peZo se contrabalanceiam fazendo deste espetáculo (imagino eu), algo tão bonito como este texto.

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Brendoca disse...

Moi aussi!