se passares muito tempo olhando o mar
deves ter cuidado
além da alegre quase nostalgia que vais sentir
não deves nunca portar algo de metal contigo
a maresia dá ferrugem no metal
cuida para que teu coração de metal
teu olhar de metal
teu sentir de metal
teu pensar de metal
teu lindo rosto de metal
não estejam contigo
quando passares muito tempo olhando o mar
pois além da alegre quase nostalgia metálica que sentirás
o teu tudo de metal será ferrugem
aí... coitado de ti!
o teu todo de metal real brilhoso (fonte de orgulho)
será amarelo bronzeado sujo
a manchará a todos que contigo privarem
e aqueles que temiam o teu brilho
temerão muito mais tua ferrugem
Izaíra Silvino, Março de 75
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
ele
foi como num sonho. uma bolha de sabão envolvendo o mundo. e ele do lado de fora. ou era dentro?
o escuro da noite não o deixava ver. só conseguia enxergar as luzes acesas de um outro mundo. do outro lado.
por um momento teve medo. de se sujar quando cruzasse as paredes transparentes. de ficar preso naquela lâmina de vidro líquido. de evaporar junto com as novas luzes. de nascer.
o ar estava cheio de vozes. e o além parecia impossível. ele era inviável. absurdo. ainda não existia saída.
talvez fosse o tempo torto daquela percepção. ou a falta de costume em navegar sem os instrumentos da deriva.
ele poderia ter ficado ali. habitando para sempre aquela dimensão provisória. mas passou por lá um vento sem antes que o fez entender: ele era eu.
o escuro da noite não o deixava ver. só conseguia enxergar as luzes acesas de um outro mundo. do outro lado.
por um momento teve medo. de se sujar quando cruzasse as paredes transparentes. de ficar preso naquela lâmina de vidro líquido. de evaporar junto com as novas luzes. de nascer.
o ar estava cheio de vozes. e o além parecia impossível. ele era inviável. absurdo. ainda não existia saída.
talvez fosse o tempo torto daquela percepção. ou a falta de costume em navegar sem os instrumentos da deriva.
ele poderia ter ficado ali. habitando para sempre aquela dimensão provisória. mas passou por lá um vento sem antes que o fez entender: ele era eu.
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
te amo
foi quando eu não esperava que chegou a hora de abrir de novo os armários. momento de procurar a roupa de apaixonado que eu pensava já perdida. tateio com cuidado o vão escuro. até encontrar aqueles panos macios, habitantes de um passado tão familiar. o colorido tinha mudado com o tempo (desbotou?) ou foi a memória que guardou a velha fotografia com cores mais vivas que a realidade. olhando agora, com os olhos translúcidos pelo cheiro da naftalina das gavetas, vejo que nunca tinha de fato conhecido aqueles tons. era um arco-íris novo que eu segurava nas mãos. numa manga, o lunar dos cinzentos. na gola, os amarelos e laranjas das tardes. azuis e verdes mais pra baixo, onde o branco embota a paisagem. todo o estranhamento passou quando me vesti da novidade. mas tudo aquilo que me tornava mais nítido ainda era invisível a quem passava por mim na rua. ou será que não? agora havia novas respostas para antigas perguntas. a língua tropeçava nas palavras já gastas de tanto uso, extamente como fazia com aquelas que se desacostumou a pronunciar. quando o sol bateu em mim, tive medo de ter eu mesmo desbotado depois de morar no escuro por tanto tempo. foi quando o telefone tocou e lembrei que o movimento natural do coração é justamente esse de cultivar os pertos.
terça-feira, 7 de agosto de 2007
pedalar
vento e pinceladas de sol. corrida rumo ao azul. mas sem pressa. o ritmo pode não ser só meu, mas respiro no mesmo compasso. todos os caminhos que ainda não apareceram estão nas voltas dos calcanhares. escolhas de um amanhã próximo.
acho que aprendi a querer. não desenhando com palavas uma escada até o céu. nem imaginando paisagens que não existem além do delírio. foi justamente quando lembrei que existiam coisas a perguntar na frente do espelho que consegui ver. foi como achar um par de óculos perdidos. talvez debaixo de um sofá qualquer. o ser humano é a única criatura que escolhe o que ver. e só vê o que quer. o resto, é escuridão. ou leitura labial da esperança - rouca de tanto dublar os nossos desejos.
acho que aprendi a querer. não desenhando com palavas uma escada até o céu. nem imaginando paisagens que não existem além do delírio. foi justamente quando lembrei que existiam coisas a perguntar na frente do espelho que consegui ver. foi como achar um par de óculos perdidos. talvez debaixo de um sofá qualquer. o ser humano é a única criatura que escolhe o que ver. e só vê o que quer. o resto, é escuridão. ou leitura labial da esperança - rouca de tanto dublar os nossos desejos.
segunda-feira, 6 de agosto de 2007
mil começos
sinto um roçar de cortinas abrindo no escuro. mas o sol já vai alto aqui fora. o ar tem cheiro de planta e alguns barulhos que lembram a infância distante. infância breve, que volta toda vez que me sinto perto de água. banho de mar. chuveirão. cachoeira. barco. sempre gostei dessa hora da tarde, onde o dia já se acostumou a ser dia e fica tão à vontade que já nem tem mais o que fazer ali: vai embora e chama a noite que quer chegar. até que isso aconteça, observo atentamente alguns contornos. bem à frente. tão nítidos que fazem doer os olhos. traços que tocam o ar numa miragem duvidosa, mas precisa. me incomodo como se olhasse por um falso espelho. um espelho imaginado, de reflexos que só se vêem por dentro. prefiro a transparência da água. teia translúcida que filtra a luz do dia. já tarde. ainda agora. recém-memória de um tempo ido no escoar do brilho de um copo de cerveja. hora de voltar e o caminho escuro é marcado apenas por sons. já não importa como voltar. nem mesmo para onde voltar. todo caminho é em frente. e todo momento é estréia.
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