segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Diáfano


A paixão caminha pelo ar. Evapora, mas continua visível. É o vermelho de uma taça de vinho. O reflexo da luz no corpo da pessoa amada. Ou as saliências por baixo da roupa de uma pessoa que passa. Pode ser o movimento do seu próprio corpo, quando ninguém está prestando atenção. As voltas da água que desce pela sua garganta em resposta à sede. É o olhar e o que ele desperta. Por dentro. 

Também pode ser memória. Uma voz que já foi familiar. A geografia íntima que as mãos conheceram de cor. Nomes. Cores. Timbres. Cheiros. Os primeiros acordes de uma canção que hoje soa no passado. Cartas escritas com capricho e cuidado, para sempre fechadas em seus envelopes velhos. Alguma coisa que já brilhou. Um dia.

A paixão mora no instante volátil em que o sentimento pode ser pesado e medido. Algumas vezes cabe na palma da mão. Outras não cabe em si, e quer rasgar. Sempre lateja. Arde. Dói. Sufoca. Grita com vontade de explodir o tempo. A paixão não tem espaço. Ocupa uma dimensão maior que o ser. Ela nega o ser, em nome de nada. É gratuita. E vasta. E vã.

Talvez seja possível entender seus caminhos. Certamente se pode provar seu sabor fugaz. Mas a paixão não mora na palavra que a define. Nem em palavra nenhuma que a provoque. Não existe fala ou canto que possa fixá-la. Ao longo de toda a história da humanidade. Através de pinturas, danças e filmes. Dirigindo olhares, discursos e ações. A paixão simplesmente passa. A paixão simplesmente. A paixão.

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