desculpe os olhos vermelhos. acordei antes de resolver meu sonho.
sim, ficou pela metade o gole de angústia. um meio-susto. quase pesadelo.
o sol veio rápido demais. balançava como uma lâmpada pendurada do lado de fora da janela.
no varal, negativos dos gestos de ontem expostos à luz do meio-dia. canção de ruídos esquisitos. melodia pelo avesso.
o verão persiste como tradução do corpo do mundo no suor humano. o calor faz com que o ar toque nas pessoas. as mãos do vento são quentes e úmidas. fazem brilhar a pele.
mais uma vez, a cidade amanhece como se nada tivesse acontecido.
sábado, 23 de fevereiro de 2008
quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008
Lido
quem me lê não entende. não escrevo ficção. realidade líquida, noves fora, texto fluido nascido do instante-agora em que tudo existe. fiel. tudo é filho do mesmo tempo e se vai na mesma velocidade com que o olho esquece o texto por que já passou. o já lido.
quem me lê não me entende. quero dizer o que digo. não troco nomes para preservar pessoas. identidades foram feitas para serem gastas no uso. e na sola dos meus papéis ficam as marcas do não escrito. até isso se registra por si mesmo. aquilo com o que não lido.
sou uma pessoa lida. por várias outras. alguns trazem o conhecimento de línguas segundas por julgarem compartilhada uma estrangeiridade. outros vêm com teorias sobre pontes e muros. ainda há os que preferem as lentes do olho nu. e todos estranham quando os sismógrafos nada acusam.
meu texto é claro para quem sabe escutar. de mãos vazias. sem vontade de compreender. não ofereço mapas além dos caminhos das palavras. todas as portas estão abertas. traço, linha a linha, o esboço de uma nova e inútil arquitetura. câmara de ecos num mundo de surdos-mudos.
a estrada silenciosa quase não mais se distingue da paisagem. e os livros continuam dormindo enquanto não aparece quem os abra.
quem me lê não me entende. quero dizer o que digo. não troco nomes para preservar pessoas. identidades foram feitas para serem gastas no uso. e na sola dos meus papéis ficam as marcas do não escrito. até isso se registra por si mesmo. aquilo com o que não lido.
sou uma pessoa lida. por várias outras. alguns trazem o conhecimento de línguas segundas por julgarem compartilhada uma estrangeiridade. outros vêm com teorias sobre pontes e muros. ainda há os que preferem as lentes do olho nu. e todos estranham quando os sismógrafos nada acusam.
meu texto é claro para quem sabe escutar. de mãos vazias. sem vontade de compreender. não ofereço mapas além dos caminhos das palavras. todas as portas estão abertas. traço, linha a linha, o esboço de uma nova e inútil arquitetura. câmara de ecos num mundo de surdos-mudos.
a estrada silenciosa quase não mais se distingue da paisagem. e os livros continuam dormindo enquanto não aparece quem os abra.
sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008
Olhar/ver/enxergar
Sou cego também. Não porque veja menos. A miopia foi um presente que desde muito cedo fez meu olhar diferente. Gosto do que não vejo. As falhas do rosto, o cabelo mal penteado: tudo o que me escapa na hora do espelho me faz mais bonito. Minha imagem mais simples, sem tantos detalhes. Eu justo. Como tenho que ser.
Sou cego também. Não porque veja mais. Nem melhor que ninguém. Vejo como só eu sei ver. Só. E só eu percebo pormenores importantíssimos em tudo que atrai minha atenção. Coisas imprescindíveis ao meu ver. Questões de vida ou morte. Mas a vida e a morte são só minhas. Pessoais e intransferíveis.
Impossível falar do que vejo. Cada um vê como vê. Uns apenas olham, acreditando na falsa passividade desse gesto tão complexo.
Conheço gente que vê muito pouco, apesar de não precisar usar óculos. Eu sempre precisei, mas deixo eles em casa muitas vezes. Não me lembro de nada que perdi de ver por não estar de óculos. Conheço gente que deixa em casa a capacidade de enxergar sentido no mundo. E sai pela vida esbarrando nos próprios sentimentos. Ver é uma responsabilidade grande. E ninguém precisa de olhos para isso.
Sou cego também. Não porque veja mais. Nem melhor que ninguém. Vejo como só eu sei ver. Só. E só eu percebo pormenores importantíssimos em tudo que atrai minha atenção. Coisas imprescindíveis ao meu ver. Questões de vida ou morte. Mas a vida e a morte são só minhas. Pessoais e intransferíveis.
Impossível falar do que vejo. Cada um vê como vê. Uns apenas olham, acreditando na falsa passividade desse gesto tão complexo.
Conheço gente que vê muito pouco, apesar de não precisar usar óculos. Eu sempre precisei, mas deixo eles em casa muitas vezes. Não me lembro de nada que perdi de ver por não estar de óculos. Conheço gente que deixa em casa a capacidade de enxergar sentido no mundo. E sai pela vida esbarrando nos próprios sentimentos. Ver é uma responsabilidade grande. E ninguém precisa de olhos para isso.
sexta-feira, 8 de fevereiro de 2008
Reza em forma de música
Antífona
(Zé Modesto)
Nossa senhora mãe preta do Paraíba
Dá tua benção pra gente ir cantando em frente
E pela frente põe gente em nosso caminho
Pra nós cantar e ter sempre alguém ouvindo
Nossa senhora vigia
Esparrama o teu amor
Pra que na vida a poesia
Nos seja causa maior
Não seja a raspa do tempo
Que ele côa ligeirinho
Seja a poesia o alimento
A sustança no caminho
Cuida que haja o afago
E todo amor que ele tem
Que os corações que andam vagos
Encontrem logo seu bem
Nessa vida sem carinho
O nosso destino é vão
Quem é que na vida sozinho
Tem feliz seu coração
Sinhá preta seja abrigo
Nas horas de precisão
Que a gente saia do umbigo
E viva mais comunhão
Batendo menos cabeças
Fica leve a nossa cruz
Tua benção sinhá nas encrenca
Tua glória nos dias de luz
Mais sobre Zé Modesto aqui.
E aqui você ouve a música.
(Zé Modesto)
Nossa senhora mãe preta do Paraíba
Dá tua benção pra gente ir cantando em frente
E pela frente põe gente em nosso caminho
Pra nós cantar e ter sempre alguém ouvindo
Nossa senhora vigia
Esparrama o teu amor
Pra que na vida a poesia
Nos seja causa maior
Não seja a raspa do tempo
Que ele côa ligeirinho
Seja a poesia o alimento
A sustança no caminho
Cuida que haja o afago
E todo amor que ele tem
Que os corações que andam vagos
Encontrem logo seu bem
Nessa vida sem carinho
O nosso destino é vão
Quem é que na vida sozinho
Tem feliz seu coração
Sinhá preta seja abrigo
Nas horas de precisão
Que a gente saia do umbigo
E viva mais comunhão
Batendo menos cabeças
Fica leve a nossa cruz
Tua benção sinhá nas encrenca
Tua glória nos dias de luz
Mais sobre Zé Modesto aqui.
E aqui você ouve a música.
terça-feira, 5 de fevereiro de 2008
luto por nascer
quando acaba o idílio, só nos resta recorrer à maturidade.
acendeu-se a luz. acabou-se a música.
não existem mapas para orientar os náufragos do sentido. náugrafos da palavra velha, puída pelo uso. a frase desbotada. mantra que já não funciona. esgotou-se na repetição.
sempre que a borboleta bate asas, cai morta uma tentativa desajeitada de alegria. o ser humano tem dificuldade em resistir à realidade. quando cai a máscara do sonho, parece mais fácil criar fantasmas que encarar o espelho.
como nos amedronta o silêncio. a ponto de nos provocar o grito que não deixa ouvir as ondas quebrando mansas na praia deserta. construindo palavras, sílaba por sílaba:
dentro de você, o ôco - vazio
fora de você, o eco - solidão
verdades que não queremos ouvir. verdades que alimentamos e deixamos crescer. como se fosse uma lei sem escapatória possível.
o mundo muda todo dia para quem não tem medo de juntar passado e futuro no momento-agora. fora disso, nada existe. só promessa e lembrança.
enquanto eu mantiver o hábito de escrever cartas para mim, saberei que alguém aqui dentro ainda existe enquanto projeto: motivo de impulso e busca.
04/02/08
acendeu-se a luz. acabou-se a música.
não existem mapas para orientar os náufragos do sentido. náugrafos da palavra velha, puída pelo uso. a frase desbotada. mantra que já não funciona. esgotou-se na repetição.
sempre que a borboleta bate asas, cai morta uma tentativa desajeitada de alegria. o ser humano tem dificuldade em resistir à realidade. quando cai a máscara do sonho, parece mais fácil criar fantasmas que encarar o espelho.
como nos amedronta o silêncio. a ponto de nos provocar o grito que não deixa ouvir as ondas quebrando mansas na praia deserta. construindo palavras, sílaba por sílaba:
dentro de você, o ôco - vazio
fora de você, o eco - solidão
verdades que não queremos ouvir. verdades que alimentamos e deixamos crescer. como se fosse uma lei sem escapatória possível.
o mundo muda todo dia para quem não tem medo de juntar passado e futuro no momento-agora. fora disso, nada existe. só promessa e lembrança.
enquanto eu mantiver o hábito de escrever cartas para mim, saberei que alguém aqui dentro ainda existe enquanto projeto: motivo de impulso e busca.
04/02/08
segunda-feira, 28 de janeiro de 2008
perdão e esquecimento
Na eternidade, ninguém se julga eterno.
Aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.
(Carpinejar, Do livro 'Biografia de uma árvore')
Aqui, nesta estada, penso que vou durar
além dos meus anos, que terei
outra chance de reaver o que não fiz.
Se perdoar é esquecer, me espera o pior:
serei esquecido quando redimido.
Não me perdoes, Deus. Não me esqueças.
O esquecimento jamais devolve seus reféns.
A claridade não se repete. A vida estala uma única vez.
(Carpinejar, Do livro 'Biografia de uma árvore')
sábado, 26 de janeiro de 2008
Rio
a vida do rio acontece apenas no ato de fluir. em suas águas, leva um universo indistinto que mistura passados e presentes, saudades e presenças, durações e intermitências...
as garças que redesenham contornos nas margens não imaginam que o silêncio ambiente está grávido de vozes tão velhas quanto o próprio mundo. quando chove, e as gotas órfãs de céu procuram abrigo na correnteza, parece que tudo fica suspenso. todo fio de pensamento é pequeno na frente de tanto infinito.
agora a paisagem já se veste de luzes e azuis. nuvens mansas navegam acima da linha do olhar. voltam para dentro da minha cabeça os barulhos prosaicos de sempre. é hora.
mas uma nova leveza nasceu. sinto que caminha por minhas entranhas. rarefeita. transparente. quase imperceptível. e, sem dúvida, líquida.
as garças que redesenham contornos nas margens não imaginam que o silêncio ambiente está grávido de vozes tão velhas quanto o próprio mundo. quando chove, e as gotas órfãs de céu procuram abrigo na correnteza, parece que tudo fica suspenso. todo fio de pensamento é pequeno na frente de tanto infinito.
agora a paisagem já se veste de luzes e azuis. nuvens mansas navegam acima da linha do olhar. voltam para dentro da minha cabeça os barulhos prosaicos de sempre. é hora.
mas uma nova leveza nasceu. sinto que caminha por minhas entranhas. rarefeita. transparente. quase imperceptível. e, sem dúvida, líquida.
sexta-feira, 25 de janeiro de 2008
Zensider
|
Música de Edvaldo Santana e Ademir Assunção, na voz de Titane.

CD: Sá Rainha. Lapa Discos, 2000.
quinta-feira, 24 de janeiro de 2008
Recital
nunca amar
o que não vibra
nunca crer
no que não canta
(Orides Fontela)
guardada dentro do silêncio. é assim que ressona a muda memória da madeira. aquela que não apreende imagens, apenas vibrações. lá fora pode chover ou secar, mas aqui se respira o passado que ainda se move pelo interior das paredes. as paisagens se metamorfoseiam em fragmentos de cidades. mesmo assim, é raro que se registre algum sentido nas linhas deste livro cego. outras madeiras, mais móveis, andam através dos passos de outros entes. podem até refletir o céu dos dias abertos. mas também vivem presas atrás da capa transparente dos vernizes mais brilhantes. o que vibra nem sempre canta nos olhos de quem vê sem enxergar as notas evidentes de um presente real.
quarta-feira, 16 de janeiro de 2008
Da chuva...
não chega a fazer frio, mas é preciso acender as luzes da casa antes do tempo. a grande nuvem entra pelo vidro das janelas fechadas e traz para dentro o cinzento do céu que tentamos a todo custo manter do lado de fora.
o mundo suspenso durante um segundo de dúvida: no silêncio do telefone soa uma música incerta de espera e ambigüidade. dias de sol que adiaram seus verdes e azuis para talvez brilhar em outras praias.
agora que a água lavou todos vestígios da passagem de um impaciente carnaval, as ruas podem se vestir novamente com o vazio de passos ausentes. eles fazem barulho durante a madrugada, andando em direção a lugares que não chego a sonhar, ocupado com meu óbvio umbigo.
ainda ontem percebi que caminhava flutuando, preso ao cheiro invisível dos pingos de chuva não-derramados. como saber se vão cair? e se não forem, o que fazer com o preto inédito do guarda-chuva?
a promessa do amanhã leva no vento a passagem das horas. mas o que permanece sabe intuir a própria capacidade de enxergar no escuro. através dos vidros. e de usar a chuva como ferramenta para não esbarrar em janelas fechadas.
o mundo suspenso durante um segundo de dúvida: no silêncio do telefone soa uma música incerta de espera e ambigüidade. dias de sol que adiaram seus verdes e azuis para talvez brilhar em outras praias.
agora que a água lavou todos vestígios da passagem de um impaciente carnaval, as ruas podem se vestir novamente com o vazio de passos ausentes. eles fazem barulho durante a madrugada, andando em direção a lugares que não chego a sonhar, ocupado com meu óbvio umbigo.
ainda ontem percebi que caminhava flutuando, preso ao cheiro invisível dos pingos de chuva não-derramados. como saber se vão cair? e se não forem, o que fazer com o preto inédito do guarda-chuva?
a promessa do amanhã leva no vento a passagem das horas. mas o que permanece sabe intuir a própria capacidade de enxergar no escuro. através dos vidros. e de usar a chuva como ferramenta para não esbarrar em janelas fechadas.
sexta-feira, 11 de janeiro de 2008
Pérola
Changer
(Anaïs Mitchell)
if I can't keep it
at least let me call it by name
that was called falling
this is called pain
it's called love, what I'm losing
I know love is a stranger
I know that changes come
I know love is a changer
I'm gonna go quietly
you don't have to tell me to
just let me lie a little longer next to you
I'm not trying to bother you
I'm just trying to breathe you in
and then I will leave you there
where you are sleeping
but speaking of loving you, I do
I'm telling you stranger to stranger
whatever changes come to you
I'm telling you changer to changer
morning has stolen your shadow from me
but I hold its shape in my mind
it's the shape of your back when you turned it on me
one last time
out in the waking world
nobody understands
exactly how light it is
exactly how free I am
one minute I'm laughing
and the next one I'm lost
I'm watching the birds fly by
I'm watching the highways cross
speaking of loving you, I do
I'm telling you stranger to stranger
whatever changes come to you
I'm telling you changer to changer
if I can't keep it, at least let me call it by name...
mais sobre Anaïs Mitchell aqui
(Anaïs Mitchell)
if I can't keep it
at least let me call it by name
that was called falling
this is called pain
it's called love, what I'm losing
I know love is a stranger
I know that changes come
I know love is a changer
I'm gonna go quietly
you don't have to tell me to
just let me lie a little longer next to you
I'm not trying to bother you
I'm just trying to breathe you in
and then I will leave you there
where you are sleeping
but speaking of loving you, I do
I'm telling you stranger to stranger
whatever changes come to you
I'm telling you changer to changer
morning has stolen your shadow from me
but I hold its shape in my mind
it's the shape of your back when you turned it on me
one last time
out in the waking world
nobody understands
exactly how light it is
exactly how free I am
one minute I'm laughing
and the next one I'm lost
I'm watching the birds fly by
I'm watching the highways cross
speaking of loving you, I do
I'm telling you stranger to stranger
whatever changes come to you
I'm telling you changer to changer
if I can't keep it, at least let me call it by name...
mais sobre Anaïs Mitchell aqui
quinta-feira, 10 de janeiro de 2008
movimento
não a mudança vazia que se veste de cascas mortas para preservar a todo custo um futuro mal sonhado. não a beleza oca de cores fugidias que serve apenas para entreter as retinas já cansadas de sua sina transparente. não as folhas que caem perpetuando ciclos arcaicos e incontestes de uma imutabilidade que se irmana ao trágico da morte. muito menos a carícia leve do vento que apenas finge passar para atingir finalidades outras que não o seguir seu caminho de ar.
o mundo está cheio de gente que acredita na metamorfose das coisas. essa gente tem razão sem saber. o que chamam de passagem não se mede com calendários. o que chamam de caminho não é o trajeto do trabalho à casa. o que chamam de mudança não são os óbvios que cultivam com tanto afinco.
se eu disser que conheço a natureza do fluir estarei mentindo. mas sei que nunca nada permanece. o essencial de tudo é efêmero. é esta a nota fundamental, o mínimo indivisível comum, a célula que pulsa por trás das intenções declaradas de um 'sempre' imaginário.
desejo o devir. abraço o etéreo num instante de irrepetível beleza. e que venham as areias do tempo a cobrir lembranças e reconstruir a memória. a cada página escrevo por cima do antigo texto dezenas de novas frases. de tudo fica o rascunho sempre inacabado e nunca passado a limpo. o borrão. traços que vão se confundindo em seus sentidos de cicatriz. e os mil riscos de viver. para sempre renovados em novas caligrafias.
o mundo está cheio de gente que acredita na metamorfose das coisas. essa gente tem razão sem saber. o que chamam de passagem não se mede com calendários. o que chamam de caminho não é o trajeto do trabalho à casa. o que chamam de mudança não são os óbvios que cultivam com tanto afinco.
se eu disser que conheço a natureza do fluir estarei mentindo. mas sei que nunca nada permanece. o essencial de tudo é efêmero. é esta a nota fundamental, o mínimo indivisível comum, a célula que pulsa por trás das intenções declaradas de um 'sempre' imaginário.
desejo o devir. abraço o etéreo num instante de irrepetível beleza. e que venham as areias do tempo a cobrir lembranças e reconstruir a memória. a cada página escrevo por cima do antigo texto dezenas de novas frases. de tudo fica o rascunho sempre inacabado e nunca passado a limpo. o borrão. traços que vão se confundindo em seus sentidos de cicatriz. e os mil riscos de viver. para sempre renovados em novas caligrafias.
terça-feira, 18 de dezembro de 2007
Salve Itamar!
quarta-feira, 17 de outubro de 2007
O surdo som do cair de uma montanha
Um ruflar de asas. São as páginas do futuro que vieram soprar palavras novas no meu mundo. Mais estrangeiro que sempre. A espera de coisas que não têm obrigação de acontecer. Mas que se comunicam comigo do lado de lá do que ainda não existe.
"San Andreas Fault
moved its fingers
through the ground
earth divided
plates collided
such an awful sound
San Andreas Fault
moved its fingers
through the ground
terra cotta shattered
and the walls came
tumbling down"
(Natalie Merchant)
"San Andreas Fault
moved its fingers
through the ground
earth divided
plates collided
such an awful sound
San Andreas Fault
moved its fingers
through the ground
terra cotta shattered
and the walls came
tumbling down"
(Natalie Merchant)
terça-feira, 2 de outubro de 2007
segunda-feira, 17 de setembro de 2007
hai-kai em prosa
beija-flores na chuva. disparam como setas. mais rápidos que os pingos da paisagem móvel. a água não bate nas asas. mas os bicos levam outras gotas. néctar guardado na pressa do vôo. roubado sem rastro além do rumor das flores. zumbido de fuga, abelha de penas. cintila nas costas uma promessa de cor. assim que voltar o sol.
(06/08/07)
(06/08/07)
quinta-feira, 13 de setembro de 2007
Óculos
ainda não me acostumei a ver tanto assim. nos mesmos lugares por onde sempre passei, meus olhos estranham a ausência do que a memória se acostumou a procurar. o familiar que antes eu encontrava pelos caminhos conhecidos saiu dali sem aviso. mas não há estranhamento. o ser humano não desfaz seus laços sem que as mãos peçam por outros pontos de apoio. de tanto tentar segurar nuvens, meus dedos criaram calos. como os calos que criei segurando as cordas do meu instrumento. foi desafinando o mundo que descobri: agora o prumo se percebe do lado de dentro. onde sempre esteve.
sexta-feira, 24 de agosto de 2007
Marterapia
se passares muito tempo olhando o mar
deves ter cuidado
além da alegre quase nostalgia que vais sentir
não deves nunca portar algo de metal contigo
a maresia dá ferrugem no metal
cuida para que teu coração de metal
teu olhar de metal
teu sentir de metal
teu pensar de metal
teu lindo rosto de metal
não estejam contigo
quando passares muito tempo olhando o mar
pois além da alegre quase nostalgia metálica que sentirás
o teu tudo de metal será ferrugem
aí... coitado de ti!
o teu todo de metal real brilhoso (fonte de orgulho)
será amarelo bronzeado sujo
a manchará a todos que contigo privarem
e aqueles que temiam o teu brilho
temerão muito mais tua ferrugem
Izaíra Silvino, Março de 75
deves ter cuidado
além da alegre quase nostalgia que vais sentir
não deves nunca portar algo de metal contigo
a maresia dá ferrugem no metal
cuida para que teu coração de metal
teu olhar de metal
teu sentir de metal
teu pensar de metal
teu lindo rosto de metal
não estejam contigo
quando passares muito tempo olhando o mar
pois além da alegre quase nostalgia metálica que sentirás
o teu tudo de metal será ferrugem
aí... coitado de ti!
o teu todo de metal real brilhoso (fonte de orgulho)
será amarelo bronzeado sujo
a manchará a todos que contigo privarem
e aqueles que temiam o teu brilho
temerão muito mais tua ferrugem
Izaíra Silvino, Março de 75
segunda-feira, 13 de agosto de 2007
ele
foi como num sonho. uma bolha de sabão envolvendo o mundo. e ele do lado de fora. ou era dentro?
o escuro da noite não o deixava ver. só conseguia enxergar as luzes acesas de um outro mundo. do outro lado.
por um momento teve medo. de se sujar quando cruzasse as paredes transparentes. de ficar preso naquela lâmina de vidro líquido. de evaporar junto com as novas luzes. de nascer.
o ar estava cheio de vozes. e o além parecia impossível. ele era inviável. absurdo. ainda não existia saída.
talvez fosse o tempo torto daquela percepção. ou a falta de costume em navegar sem os instrumentos da deriva.
ele poderia ter ficado ali. habitando para sempre aquela dimensão provisória. mas passou por lá um vento sem antes que o fez entender: ele era eu.
o escuro da noite não o deixava ver. só conseguia enxergar as luzes acesas de um outro mundo. do outro lado.
por um momento teve medo. de se sujar quando cruzasse as paredes transparentes. de ficar preso naquela lâmina de vidro líquido. de evaporar junto com as novas luzes. de nascer.
o ar estava cheio de vozes. e o além parecia impossível. ele era inviável. absurdo. ainda não existia saída.
talvez fosse o tempo torto daquela percepção. ou a falta de costume em navegar sem os instrumentos da deriva.
ele poderia ter ficado ali. habitando para sempre aquela dimensão provisória. mas passou por lá um vento sem antes que o fez entender: ele era eu.
quinta-feira, 9 de agosto de 2007
te amo
foi quando eu não esperava que chegou a hora de abrir de novo os armários. momento de procurar a roupa de apaixonado que eu pensava já perdida. tateio com cuidado o vão escuro. até encontrar aqueles panos macios, habitantes de um passado tão familiar. o colorido tinha mudado com o tempo (desbotou?) ou foi a memória que guardou a velha fotografia com cores mais vivas que a realidade. olhando agora, com os olhos translúcidos pelo cheiro da naftalina das gavetas, vejo que nunca tinha de fato conhecido aqueles tons. era um arco-íris novo que eu segurava nas mãos. numa manga, o lunar dos cinzentos. na gola, os amarelos e laranjas das tardes. azuis e verdes mais pra baixo, onde o branco embota a paisagem. todo o estranhamento passou quando me vesti da novidade. mas tudo aquilo que me tornava mais nítido ainda era invisível a quem passava por mim na rua. ou será que não? agora havia novas respostas para antigas perguntas. a língua tropeçava nas palavras já gastas de tanto uso, extamente como fazia com aquelas que se desacostumou a pronunciar. quando o sol bateu em mim, tive medo de ter eu mesmo desbotado depois de morar no escuro por tanto tempo. foi quando o telefone tocou e lembrei que o movimento natural do coração é justamente esse de cultivar os pertos.
Assinar:
Postagens (Atom)